Ainda bem que não recomendaram um app específico (Signal) ou começariam as teorias de conspiração de que eles (FBI) estão infiltrados no app.
A tempos o povo fala que o SMS não é mais um bom mensageiro. Uma pena, pois nunca mais teremos uma tecnologia que utiliza um rádio do que só dados.
Na realidade, a infiltração das agências de inteligência vai além de um app específico, e visa infiltrar não hoje, mas futuramente. E está longe de ser uma “teoria”. É uma prática que ocorre enquanto escrevo esse comentário, prática essa que o artigo da Wikipedia (que linkei acima) explica:
Colete agora, decifre posteriormente é uma estratégia de espionagem que depende da aquisição e armazenamento de longo prazo de dados encriptados atualmente ilegíveis, esperando possíveis avanços na tecnologia de decifragem que poderiam torná-los [os dados encriptados] legíveis no futuro - em uma data hipotética chamada de Y2Q (uma referência ao Y2K, “bug do milênio”) ou Dia-Q.
Se uma organização (seja ela FBI ou NSA ou CIA ou ABIN ou os Five Eyes ou qualquer outra) pretende quebrar dados criptografados, quanto mais dados criptografados, mais amostras que podem ser comparadas algoritmicamente. É assim, inclusive, que IAs são treinadas: com uma quantidade massiva de dados, quanto maior a diversidade de dados, maior será a diversidade da saída do modelo.
Vou dar um exemplo: se eu disser “jusderbew”, não há muito espaço para desconfiar de uma cifra do que se eu disser “jusderbew seckdytqtu”. Um dos ataques a uma cifra consiste na análise frequencial e de padrões, assim “jusderbew seckdytqtu” tem um padrão e frequência que levam mais facilmente à detecção de uma Cifra de César e consequentemente a decodificação para “tecnoblog comunidade” do que somente “jusderbew” (“tecnoblog”). Em geral, quanto mais dados, melhor para uma análise frequencial.
Usa-se de um bode expiatório (o bicho-papão debaixo da cama) para provocar alarmismo na população, que então terá um incentivo das autoridades (às quais seguem cegamente sem questionar ordens) a usar apps E2EE. O mais incrível é que essa estratégia do bode expiatório mata dois coelhos com uma cajadada só, pois também “amansa” a galera ativista pela privacidade, pela cabeça das quais sequer passa de que “quando a esmola é muita, até o santo desconfia”, simplesmente comemoram que “uau, agora as autoridades estão aceitando a privacidade da população”, como tenho visto muita gente desse meio do ativismo pró-privacidade comemorando… Como diz o meme: “Sabem de nada, inocentes”.
Lembremos das denúncias que Edward Snowden fez. Definitivamente não confio nesse cara (nas intenções dele ao revelar as informações acerca da amplitude da espionagem), mas será que, depois de Snowden jogar tudo no ventilador, isso teria trazido alguma espécie de “senso de consciência” nas agências de inteligência, do tipo “ah, pensando bem, vamos parar de espionar a população, Snowden estragou nossos planos, vamos respeitar a privacidade alheia”? Óbvio que não, essas agências de inteligência foram fundadas e são financiadas (com impostos) para fazer exatamente isso: inteligir, trabalhar com a “inteligência” É essa a natureza dessas agências e sempre será, até que um dia talvez sejam abolidas da face da Terra, o que é altamente improvável de acontecer.
Acho incrível ver como a galera não teve essa mesma desconfiança que eu tive acerca desse lance de “FBI agora recomenda uso de criptografia”. Inegavelmente, foi um golpe de mestre, as agências de inteligência estão de parabéns.
APRS e FT8 são alguns exemplos de uso de rádio para apenas dados, e que são usadas até hoje. Há outros protocolos que também envolvem voz, como D-STAR e TETRA, que inclusive permitem criptografia a nível de hardware. Além disso, há sempre espaço para aficcionados do radioamadorismo (principalmente aqueles com COER Classe A) criarem novas tecnologias e protocolos. Fora do radioamadorismo, também há sempre espaço para criação de novas formas de criptografia e cifragem, porque a matemática é um vasto campo e muita coisa ainda há de ser descoberta.